domingo, 17 de maio de 2009

Entrevista Aécio Neves - RJ

Entrevista do governador Aécio NevesÍNTEGRA

Evento: Palestra na Associação Comercial do Rio de Janeiro

Local: Rio de Janeiro

Data: 15/05

Assuntos: Eleições 2010, Governo Lula, Bolsa-Família, reformas estruturantes, mudanças na Caderneta de Poupança, CPI da Petrobras, reunião com o ministro Guido Mantega e queda do repasse da Cide


Pela palestra do senhor, o PSDB em 2010 vai reconhecer avanços do governo Lula.

Sem dúvida, não se deve negar a realidade. O Governo Lula trouxe avanços importantes, grande parte deles em função do governo anterior, da estabilidade da econômica, dos avanços advindos do Governo Fernando Henrique. Eu reconheço esses avanços, gostaria, inclusive, que o governo do presidente Lula também reconhecesse de forma mais clara os avanços que vieram do governo do presidente Fernando Henrique.

E essa análise eu faço com muita convicção. Se nós analisarmos, apesar dos enfrentamentos, da polarização entre esses dois partidos, nós estamos falando de um só período de avanços contínuos. A grande questão agora não é reeditarmos o radicalismo, o grande desafio é encontrarmos uma convergência em torno da próxima agenda que não foi feita. Porque se o Governo Lula trouxe avanços - eu reconheço isso publicamente -, deixou também de fazer algumas reformas que deveriam ser feitas no momento de expansão da economia, de estabilidade dos indicadores internos e de alta da popularidade do presidente, uma base apoio muito ampla. Esse tripé poderia ter permitido ao governo avançar em reformas que nós não alcançamos.

O que eu tenho defendido hoje é que, o PSDB percorra o país discutindo essa nova agenda. Quais as reformas que são fundamentais? É a política? Da Previdência? Vamos discutir a questão trabalhista? É a reforma da gestão, é a reforma do Estado, da gestão do Estado? Então, é o que eu quis dizer aqui. A meu ver, as prioridades do Brasil é uma gestão de qualidade e a refundação da federação.

Nós estamos caminhando para viver em um Estado unitário. Nessa própria última semana, um artifício contábil da Petrobras fez com que os estados brasileiros perdessem 90% dos recursos da Cide, que foi o único imposto que nós conseguimos que uma pequena parcela fosse para os estados e municípios. Conseguiram que até isso retornasse para União ou para empresas sob controle da União.

Deixei aqui, em linhas gerais, as minhas preocupações, com a gestão de qualidade, com a concentração de recursos da União e com a sustentabilidade, que é a agenda do milênio.

Mas e o Bolsa-Família que é um projeto do governo, a oposição não deveria falar mal dele?

Eu acho que não. Eu acho que o Bolsa-Família hoje se incorporou à realidade econômica nacional, é um instrumento de distribuição de renda extremamente importante. O que nós temos que fazer é dar um passo além. Qual é esse passo? Qualificar essas pessoas para que elas possam reinserir-se no mercado de trabalho.

Eu ficaria extremamente feliz, não como se faz hoje, quando se comemora mais um milhão ou 2 milhões de famílias no Bolsa-Família. Eu ficarei muito mais feliz quando nós dissermos daqui a algum tempo que 2 milhões de pessoas saíram do Bolsa-Família porque encontraram emprego, porque se qualificaram. Isso pode ser feito em parceria com entidades empresariais, associações comerciais, dar treinamento a essas pessoas para que não se acomodem. O Bolsa-Família é necessário, no governo do PSDB será mantido, mas nós construiremos esse passo adiante, que é a reinserção dessas pessoas no mercado, na economia real. Eu não quero que uma que uma criança que nasça hoje, daqui a 20 anos tenha como alternativa de sobrevivência apenas o Bolsa-Família.

Por que as reformas não foram feitas? Faltou vontade política?

A minha experiência parlamentar mostra que as reformas constitucionais ou você as faz no início de governo, ou não faz mais. É no início de governo que você tem a força política necessária, até mesmo para enfrentar os problemas na sua base de apoio, para fazer as reformas. E no Brasil não há possibilidade de nenhuma reforma constitucional avançar se o Executivo – e é quase imperial no Brasil - não estiver à frente dessas reformas. Entregar para o Congresso e achar que lá tem retorno, é na verdade, reeditar Pilatos, é lavar as mãos e não querer que as coisas ocorram.

Na verdade, o presidente Lula tem muitas virtudes, eu tenho por ele um apreço muito grande, mas ele não tem a característica de enfrentar contenciosos. A reforma política era o grande tema da reeleição do presidente Lula, logo que ela começou a contrariar alguns partidos da base, ela foi colocada de lado. A reforma tributária, nós discutimos inclusive para dar apoio a ela, começou a contrariar algumas regiões do país e essa reforma se perdeu também.

Reforma tem que ocorrer no início de governo e precisa de vontade política do Governo Federal. A falta de vontade fez com que nós perdêssemos um ambiente raro, que não me lembro de ter visto em outro momento na economia nacional; que é uma economia em expansão, portanto, o crescimento da economia interna, os nossos indicadores macroeconômicos absolutamente sólidos, e o terceiro ponto, uma altíssima popularidade do presidente com ampla base de apoio. A alquimia desses três fatores poderia ter permitido ao governo do presidente Lula avançar pelo menos em alguma das reformas.

Sem radicalismo, como o senhor propõe, como fica a oposição e a situação?

Eu acho que é natural que haja oposição e situação. O que eu acho que é possível, mesmo havendo oposição e situação, que nos tenhamos um compromisso com a agenda mínima. PSDB e PT vão disputar a eleição, isso é claro, é natural da democracia. Eu acho até que um nome como o da ministra Dilma é a garantia de uma eleição de alto nível. Agora, eu acho que é possível nós chegarmos depois das eleições, se o clima não for beligerante, dizendo: olha, a reforma tributária, nesses termos, ela é importante porque não é de governo, é de país. Nós precisamos saber separar isso. Algumas questões são de governo. Sobre elas, se questiona, faz oposição, fiscaliza, cobra. Agora, outras são de Estado, vão ultrapassar governo. Essas, se nós tivermos na oposição, eu trabalharei para que nós a apoiemos. Nós não podemos reeditar aquela história de quem pede vai para oposição radicalizada e cria aquela história de vício de origem: veio do governo, eu já sou contra. E o Brasil pecou por isso. Nos oito anos do presidente Fernando Henrique com o PT radicalizado na oposição, contra o plano Real, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal. E mesmo agora, na minha avaliação, O PSDB também radicaliza em algumas proposições, em questões que foram defendidas por nós lá atrás. E não é por que perdemos a eleição que nos vamos deixar de acreditar nelas.

Não seria radicalismo do PSDB no Congresso ser contra as mudanças na poupança?

Em primeiro lugar, tem de ter um respeito enorme pela atuação do nosso partido no Congresso, ali se dá o embate político do dia-a-dia. Acho que em relação à questão da poupança, por mais que eu reconheça as motivações por parte do governo, acho que o corte foi muito raso, porque se formos falar acima de R$ 50 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil, não estamos falando de grandes investidores. Se o objetivo é criar um desestimulo para que os grandes investidores venham para a poupança, isso poderia ser feito com corte muitas vezes acima desses R$ 50 mil.

Eu acho que o governo confundiu um poupador de uma vida inteira, que hoje tem R$ 100 mil ou R$ 200 mil, com o grande investidor. Então acho que puniu-se em demasia aqueles que acreditaram na poupança durante toda a vida. Agora, algum corte, eu acho que poderia ser feito. Acho que o objetivo é inibir que os grandes investidores que migrem para a poupança, em relação da queda da Selic, esse corte tinha de ser mais em cima. R$ 200 mil, R$ 150 mil não é um grande investidor. Grande investidor é acima de R$ 500 mil, R$ 1 milhão.

Será necessário fazer modificações nessas alterações na poupança?

Nós vamos ter de ver os efeitos dela. Não dá para você antecipar que correções precisarão ser feitas. Eu acho que algumas precisarão ser feitas. É claro que se isso for instrumento para facilitar a continuada da queda da taxa de juros, tem por um outro lado um aspecto positivo.

O que nós vamos ter de avaliar é se não se puniu em demasia poupadores de toda uma vida que tiveram só na poupança, estimulados por vários governos, a sua alternativa de investimento. O que eu questiono hoje é isso, o corte para mim foi muito baixo. Ele tinha de ser mais em cima.

Essa vinda do senhor hoje aqui já é parte da estratégia para 2010?

Não. Isso não tem um vinculação direta com 2010. Eu estou aqui atendendo um convite do presidente, meu amigo fraterno, Olavo, do próximo presidente, Alquéres, mas é natural se eu venho a um fórum como esse, com as figuras que estavam aqui hoje, do setor público e setor privado, é natural que eu fale da minha visão de país. Eu não preciso ser presidente para continuar defendendo as coisas nas quais eu penso.

E acho que a nossa estratégia, enquanto PSDB, partido da oposição, não tem de ser a estratégia do governo. O governo está buscando cumprir uma candidatura que não tinha base nacional, capilaridade nacional. É natural que a exponha, dê visibilidade a ela. E acho até que nós temos de parar com essas coisa de ficar só criticando a exposição da candidatura do governo. Vamos fazer o nosso dever de casa. E qual o nosso dever de casa? Discutir propostas.

O PSDB não pode achar que ficando aí adormecido em berço esplêndido, vai acordar em 2010 com o candidato eleito. Ou nós renovamos o nosso discurso e começamos a fazer isso agora em João Pessoa na Paraíba, vamos ao Paraná dentro de 15 dias, e depois vamos ao Ceará; discutindo agora políticas sociais, depois vamos discutir segurança pública, gestão do Estado, política de desenvolvimento regional. O PSDB tem de construir um discurso. Eleger quatro ou cinco grandes bandeiras que diferenciam do governo que está aí. Aí sim, ter o seu candidato. Porque esse candidato vai nascer com muito mais densidade do que simplesmente se nós escolhermos um nome, somando aqui os votos de mesa ou mesmo de uma convenção.

Então, o que eu defendo é que o PSDB construa um projeto para o país. Hoje, eu acho que as pessoas têm uma dificuldade muito grande, o cidadão comum, de olhar para o PSDB e para o PT, e compreender quais são as reais diferenças. Porque o PT assumiu, do ponto de vista econômico, a orientação, a condução que vinha sendo dada pelo nosso governo. O governo do presidente Lula avança nos programas sociais que nós iniciamos lá atrás.

Então, o que nos diferencia? Acho que é a gestão pública de qualidade. Acho que isso falta ao Governo Federal. É algo que não está na agenda do Governo Federal. Eu citei um dado aqui e sugiro que vocês prestem atenção nesse porque é importante. Nesses últimos seis anos, aumento-se em 74% o custo da máquina, enquanto o PIB aumentou 26%. Isso é inconcebível. Isso não é lógico. A economia crescer quase que um terço do que cresce o peso do Estado. Então, a busca do estado eficiente. Política de desenvolvimento regional clara, que acabe com a guerra fiscal. Passos adiante para os programas assistenciais, como eu falei aqui. Essas questões é que o PSDB tem de aflorar, uma política de integração das polícias, na política de segurança pública, que o governo também se omite violentamente.

Para se ter uma idéia, Minas Gerais é o estado brasileiro que mais investe em segurança. Nós investimentos 13,5% da nossa receita total. 99,1% desses investimentos são do Estado. O Governo Federal participa com 0,9%.

Acho que nós temos de ter um discurso de uma presença maior do Governo Federal, uma articulação maior com os estados na questão da segurança pública.

Então, acho que o PSDB deve aproveitar daqui até o final do ano para, viajando pelo país, mobilizando suas bases, construir um novo projeto para o Brasil, que eu acho de pós-Lula. Esse é o Brasil pós-Lula. O que ficou por fazer. Reconhecendo. Eu não faço coro com aqueles que acham que tem de combater tudo e negar tudo que foi feito. Você não nega a realidade. Os programas assistenciais, o Bolsa-Família é uma realidade importante hoje, principalmente nas regiões mais pobres. Está lá. Vamos dar passos além. Vamos reconhecer que eles avançaram. Vamos reconhecer que a condução da política econômica, em vários aspectos, foi correta, foi responsável. Então, é isso. É isso que talvez diferencia o meu discurso de alguns companheiros meus.

É oportuna, nesse momento, uma CPI da Petrobras?

Vamos deixar isso par aos congressistas. Eu tenho que respeitar a ação política dos meus companheiros do PSDB. Eu respeito. Se ela tiver fundamento e se obviamente tiver um objeto claro e cumpre o regimento, faz parte do jogo. Eu prefiro nessa questão congressual respeitar a posição dos meus companheiros de PSDB.

Qual a estratégia o senhor vai adotar em relação à diminuição de receita dos estados?

Pretendo na quarta-feira me encontrar com o ministro Mantega, em Brasília. Vou fazer esse contato na segunda-feira. Quero conversar sobre essa questão da Cide. A questão da Lei Kandir, há um recurso, um entendimento que foi feito na Comissão de Orçamento de que um R$ 1,3 bilhão, em havendo excesso de arrecadação, seria transferido aos estados como ressarcimento pelas perdas com as exportações. O aumento de arrecadação ultrapassou R$ 15 bilhões o teto estabelecido e esse dinheiro não foi transferido ainda. É uma questão que nos preocupa.

E temos que discutir com a cautela necessária a questão da dívida dos estados porque os estados estão subsidiando a União. Os estados estão pagando juros maiores no serviço da dívida do que aqueles que a própria União paga. Temos que encontrar um mecanismo, sem mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal, talvez mudando o indexador, ou então o retorno desse a mais através de convênios com os estados. Talvez seja uma forma mais inteligente para não mexermos no escopo da Lei de Responsabilidade Fiscal. Aquilo que se paga a mais retornaria a cada estado para projetos de infraestrutura, que gera emprego e renda. São as três questões que eu quero discutir com o ministro Guido. E cobrar dele uma posição sobre a questão da cafeicultura, que nós já discutimos há duas semanas, fizemos ali alguns entendimentos que não foram implementados ainda. Garantia de preço mínimo, que é uma coisa que afeta muito o meu Estado.

A questão da Yeda Crusius no Rio Grande do sul não prejudica um pouco o partido?

A política do Sul é muito acirrada. Eu acredito que a governadora Yeda tenha condições de se defender. Ela tem uma vida pública enorme, corretíssima, extremamente respeitada e, por isso, ela foi eleita governadora.

Acho que é claro que os esclarecimentos têm que ser dados, mas ela em parte é vítima dessa radicalização da política do Rio Grande do Sul. Mas ela tem a nossa solidariedade, o nosso apoio e a nossa confiança de que ela responderá a todas essas denúncias.


Agência Minas

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